Coluna por professor Sebastião Gusmão: A PESTE

Mar 12, 2021 Escrito por 
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Albert Camus (1913-1960), escritor e filósofo francês, Prêmio Nobel em literatura, foi um dos intelectuais mais importante do século 20. Em 1942, ao mesmo tempo que lutava na resistência à ocupação nazista da França, começou a escrever A PESTE, publicada em 1947. O enredo é a descrição da peste bubônica na cidade de Oran, na Argélia francesa dos anos 1940. 

Italo Calvino afirma que um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha a dizer. As coincidências com a atual pandemia e as reflexões de Camus sobre a condição humana e a resistência ao totalitarismo políticotêm ainda muito a dizer, especialmente em nosso Brasil acometido pela peste moral e pela Covid-19.

Camus lutou contra os totalitarismos nazista e stalinista. E sua filosofia pode ser resumida como a negação dos ídolos da metafísica, incluíndo aí as modernas ideologias, a afirmação do ser humano como valor supremo, e a  revolta contra o absurdo da existência. O absurdo nasce da confrontação entre o apelo de encontrar um sentido para a vida e o silêncio do mundo, de nossa mente racional em um mundo irracional. Não eram as teorias que interessavam a Camus, mas a realidade da existência humana. A dignidade humana está acima de qualquer ideologia.

Como na atual pandemia, a peste em Oran é inicialmente negada pelas autoridades e somente admitida quando a morte, antes velada, é revelada em toda sua crueldade e absurdo pelas sepulturas comuns. Políticos e empresários desonestos procuram tirar proveito da desgraça coletiva. Por outro lado, homens honestos, especialmente o médico Rieux, se revoltam contra o absurdo da peste e da injustiça, e fazem o que lhes cabe fazer em solidariedade aos doentes, arriscando as próprias vidas. Ou seja, a Oran empestada de Camus em tudo se assemelha ao empestado Brasil de nossos dias.

A obra pode ser vista como duas alegorias ou metáforas: uma externa, histórica, relativa aos horrores da Segunda Guerra Mundial e ao totalitarismo em geral; outra interna, ético-existencial, referente ao absurdo da condição humana e a resistência a este absurdo.

Um dia os ratos invadem a pequena Oran trazendo a peste, da mesma forma que os soldados nazistas invadem os países europeus trazendo a desgraça. De forma semelhante, nos dias atuais, nossos dirigentes invadem os três poderes empestando moralmente a república e a vida da população. A única resposta honesta ao absurdo do totalitarismo e à falta de ética na política é a revolta e resistência ao mal. Cabe a cada um se revoltar através da ação contra o absurdo da pandemia da Covid-19 e do pandemônio da política nacional.

O tratamento possível ao absurdo da condição humana é a resistência por meio da compaixão e amor às vítimas. Não o amor idealista e abstrato  dos heróis e dos santos, mas o amor pelo ser humano concreto, materializado na simples realização do dever. O médico Rieux (definido por Camus como santo laico, sem Deus) afirma que, durante a peste, os homens honestos têm certeza apenasdo sofrimento e do amor. E no final da peste, apesar de ter perdido milhares de pacientes, vários amigos, a esposa e ter presenciado por dez meses o absurdo do sofrimento de inocentes, sente-se realizado por ter feito sua obrigação. E conclui que apesar da falta de sentido da existência, vale a pena viver. A compaixão e o amor criam o sentido.Sua grandeza consiste na sua decisão de ser mais forte que a condição humana, de se revoltar, de não ser indiferente. Se faz parte da condição humana estar neste mundo, devemos estar de forma ativa, desafiando nosso destino.

Em tempos normais, obito garante nossa segurança e nos poupa da angústia de pensar, nos condenando a ser sempre os mesmos. A crise determina a suspensão dos hábitos e a destruição das certezas. Só nos resta o pensamento, que nos leva a ver que nosso destino individual está atrelado ao destino coletivo e nos força a criar novos sentidos para a vida. Mas quando a ordem retorna, as pessoas voltam a ser quem eram. Camus finaliza a obra advertindo que na crise podemos ver com clareza o que realmente importa, mas ao retornar a normalidade, esquecemos o que antes era evidente. E nossa tranquila vida poderá ser assolada por nova peste, criada por nós mesmos. A peste está em nós.

 

Redação

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